sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Alunos de sete escolas públicas do DF lançam uma revista

A publicação temas de interesse universal de forma adulta e rendeu a uma estudante uma viagem para a Índia


Grupo que elaborou o projeto e se dedicou, durante três anos, à concretização da revista Descolad@s: o resultado são 52 páginas de informações que situam os adolescentes em relação ao direitos humanos (Gustavo Moreno/CB/D.A Press)
Grupo que elaborou o projeto e se dedicou, durante três anos, à concretização da revista Descolad@s: o resultado são 52 páginas de informações que situam os adolescentes em relação ao direitos humanos
Direitos humanos e orçamento público não são temas para debates apenas de adultos. O olhar dos adolescentes sobre educação, o enfrentamento da exploração sexual, o racismo e diversos outros temas voltados para injustiças sociais estão cada vez mais presentes nas discussões da comunidade escolar. Que o diga um grupo de jovens de 15 a 22 anos de sete escolas públicas localizadas em Ceilândia, Gama, Guará, Planaltina, Lago Oeste, Asa Norte e Asa Sul. Eles deixaram a teoria de lado e resolveram participar ativamente do processo de desenvolvimento da capital federal. Pesquisaram em livros, na internet, entrevistaram autoridades e gente que entende de leis para conhecerem mais sobre políticas públicas. Ufa, conseguiram! Depois de mais de três anos de estudo, finalizaram o projeto com a publicação de uma revista, a Descolad@s, de 52 páginas.

O lançamento foi ontem, na Câmara dos Deputados. Cerca de 300 alunos da rede pública participaram de alguma forma do trabalho. A iniciativa é fruto do projeto Onda: adolescente em movimento pelos direitos, realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e tendo como apoiadores a KinderNotHilfe (KNH), uma organização alemã dedicada aos direitos da criança e do adolescente; e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Segundo a coordenadora do projeto, Márcia Hora Acioli, o objetivo inicial era trazer informação de crianças de escola pública na área de direitos humanos e orçamento público. Segundo ela, ao confeccionar a revista, os jovens conseguiram promover informação para estudantes da mesma faixa etária.

Na revista, os próprios alunos abordaram temas poucos vistos na mídia. Entre os assuntos publicados, está uma entrevista com dois adolescentes de 16 e 17 anos, ambos portadores do vírus HIV, transmissor da Aids. Eles adquiriram a doença ainda no ventre da mãe e ensinaram como convivem com o problema. “Os alunos abordaram temas como Aids e racismo, por exemplo, com um olhar generoso, mais aberto, inclusivo e não preconceituoso. Todo mundo que lê fica emocionado”, avaliou Márcia. Para a finalização dos textos, os adolescentes trocaram ideias, interagiram com os demais e participaram até da escolha do projeto gráfico, da sugestão de cores e do formato das páginas.

Orçamento
De tão bem formulada, a revista rendeu até viagem ao exterior a uma estudante, hoje com 20 anos (veja personagem da notícia). Durante o processo de construção dos trabalhos, um grupo de 20 alunos, que integram o conselho editorial, conseguiu ainda a aprovação de R$ 2 milhões a mais no orçamento da educação do ano passado, após uma audiência na Câmara Legislativa do DF. “Eu diria que, antes de tudo, essa revista acaba sintetizando o processo de formação e conscientização”, avalia o ex-aluno do Centro de Ensino da Asa Norte (Cean), Pedro Henrique Couto Torres, 18 anos. “Não tínhamos nenhum conhecimento técnico sobre orçamento público, mas nem por isso deixamos de lutar para pedir melhorias para a educação. A discussão de direito não é necessariamente feita pelo adulto. Os jovens também têm que exercer a cidadania e a democracia.”

Atualmente, Pedro é estudante de letras da Universidade de Brasília (UnB) e, na revista, escreveu sobre orçamento público. “Na educação, a gente percebeu que houve o dobro de dinheiro para propaganda e construção de escolas no total de R$ 120 milhões liquidados, mas, ao analisar o quadro das despesas, não achamos um item específico destinado para o enfrentamento da exploração sexual. Isso demonstra que o tema não foi prioridade para o governo”, destacou.

Ao todo, mil exemplares da revista foram distribuídos pelas sete escolas públicas que participaram do projeto. A ideia é aprofundar o debate em torno dos direitos humanos e incentivar a participação dos jovens. A criação de uma segunda revista, com enfoque no Plano Plurianual (PPA) do DF, já começa a ser agilizada para 2011. O objetivo é saber como os governos federal e local vão investir os recursos para garantir os direitos de crianças, jovens, adultos e idosos.

Para Paula Gabriela Barbosa Castillo, 15 anos, estudante do Centro de Ensino Fundamental Professor Carlos Mota, na região do Lago Oeste, participar das decisões políticas e acompanhar a aplicação das leis proporciona senso crítico, contribuindo para a formação dos adolescentes como seres humanos mais justos. “A gente correu atrás e aprofundou a discussão sobre diversos temas. Mudou muito o nosso modo de pensar em relação à violência, às drogas e à educação. Terminei o ensino médio e me sinto mais preparada para enfrentar esses problemas”, garantiu.

TRECHO DE ENTREVISTA COM UMA JOVEM DE 17 ANOS QUE TEM AIDS

“Eu soube bem pequena. Então, não faz muita diferença. Mas quando eu comecei a descobrir realmente o que era, quando comecei a escutar as pessoas falarem o que era, dizendo o que iria acontecer e tudo, que ‘ah, tem Aids, não sei o quê, vai morrer…’, para mim foi muito ruim. Até os meus 13 anos, não gostava muito de sair. Ficava em casa, na minha. Quase não tinha amigos e não gostava de ficar com pessoa nenhuma. Depois dos 14 anos, eu comecei a melhorar, daí agora não ligo mais”

Fonte: Revista Descolad@s

FRASES COLHIDAS NA PRIMEIRA EDIÇÃO


“Há um ano eu espero para fazer ressonância magnética no hospital público. Se dependesse disso, eu já tinha morrido.”
Kelfenny, 17 anos, morador do Lago Oeste

“Conseguir medicação para HIV/Aids é muito burocrático! O paciente tem que esperar por muitas etapas. É muito difícil.”

Paulo, 17 anos, morador de Planaltina

“O GDF desvia dinheiro público enquanto a população morre. Morre de fome, morre doente, morre na parada esperando ônibus, morre de ignorância.”
Isabel, 19 anos, moradora de Brasília

“Os motoristas de ônibus nunca cumprem seus horários. A pior coisa do mundo é pegar ônibus no fim de semana.”
Pedro, 18 anos, morador de Brasília

 (Gustavo Moreno/CB/D.A Press)
O VOO DE ALINE


Aline está se preparando para fazer sua primeira viagem ao exterior. No próximo dia 19, ela embarca para a Índia, onde participará de uma conferência sobre injustiças sociais, ao lado de outras das três jovens selecionadas em todo o país e de 300 de todo o mundo. A jovem foi escolhida graças ao projeto de criação da revista Descolad@s, quando estava no 2º ano do ensino médio, mas atualmente cursa o 2º semestre de ciências sociais na UnB. Ainda na escola, ela assistiu a várias sessões sobre cotas raciais no Supremo Tribunal Federal (STF), além de acompanhar as reivindicações dos estudantes com o Passe Livre Estudantil. “Toda a parte de construção do projeto foi enriquecedora e maravilhosa para o nosso conhecimento. Os jovens, quando se articulam e têm vontade de mudar a realidade, conseguem. A revista abriu um leque de oportunidades para nos e imulsionou a gente a ter coragem para levar nossas ideias para os quatro cantos do mundo.”
Aline Maia Nascimento, 20 anos, moradora de Sobradinho I

FONTE:CORREIO BRAZILIENSE 

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